segunda-feira, 19 de março de 2012

Grotolândia.

Os garfos batiam nas facas, ambos batiam nos fundos metálicos das bandeijas, ambos batiam nos dentes. Mais de mil dentes. Mil garfos, mil facas, mil bocas e gestos que falavam uns com os outros em combinações de duplas, trios, ou até em redes complexas mal-dispostas sem um número bem-definido de nós dialéticos.
Sapatos batiam no chão. Tecidos roçavam. Línguas se dobravam para dentro e para cima empurrando o arroz com feijão para os tubos digestivos. Não havia som dos estômagos. Pardais, vento, máquinas de lavar-louça que vazavam vapor.
Eu mesmo estava de pé no meio disso tudo, assustado, procurando um canto, um quantuum de espaço vazio o qual pudesse atingir um estado de energia mais estável, interligaria-me a esse pseudo-ser, para ser mais um gotícula de óleo submetida aos ovos daquela maionese.
Tinha que agir rápido, não poderia sobreviver mais um pouco, ninguém sobrevive mais um pouco no lado de fora do colóide.
Vi. Achei um ponto desocupado. Rapidamente me dirigi até lá e, antes de me afundar ou de pensar em tomar alguma providência sobre uma outra meleca salgada que segurava com as duas mãos, espiei como um suricato atento meu arredor. Esperava ainda encontrar alguma salvação, uma porta, um respiro, pelo qual pudesse evaporar. Não encontrei.
Sentei.
– E aí cara?
Assustei-me, meu pescoço doeu um pouco com a rapidez do meu reflexo. Por uns intantes, os quais não pude contar, perdi a noção de todos os cinco sentidos.
– Oi, e aí Carlos?
– Marcos - apontou para outra impureza que boiava – este aqui é o Júlio. – Eu me chamava Júlio. – Sinuqueiro de Grotolândia. – Era o nome daqui.
– Prazer, Marcos.
– Júlio.

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Now that San Francisco's gone/ I guess I'll just pack it in/ Wanna wash away my sins/ In the presence of my friends