terça-feira, 26 de julho de 2011

Como as musas funcionam

            Z. acordou com um pedacinho de sol no peito regurgitado pela fresta de concreto à sua esquerda e uma mente afiada. Achava que nunca tinha escrito nada de bom na vida, mas essa manhã ele sentia como se as palavras fossem escravas de sua brilhantia, e pensou em sentar e escrever trezentas e doze páginas do romance mais apaixonante que já se vira, recheado de poesias de todos os tipos da mais fina beleza lírica. Z. faria até mesmo os grandes e conservadores pais de família derramarem rios de lágrimas e abraçarem suas esposas feias enquanto liam as malditas benditas linhas. Pensou em acabar aquela história com a descrição de uma cena de sexo do o ardor mais intenso e minucioso, seguida por fim de um rapaz sorridente e contente, como se o mundo inteiro estivesse dentro de si, tocando belas e românticas notas alegres cuspidas de um violão velho quase desafinado.
            Antes que pudesse começar, levantou com o pé direito, abriu por completo as cortinas e as janelas, acenou para o vizinho que tímido passava com uma sacola de padaria e, enquanto pensava - ou melhor, não podia parar de pensar nas primeiras palavras de sua história, como se um dique do néctar lírico do amor se tivesse estourado em sua cabeça, correndo e avançando e se espalhando violentamente espumoso por sua alma que agora se tornara doce e morna - dirigiu-se, com o rosto à frente, à torrente fria da água cristalina da sua pia de banheiro, que refletia um primeiro reflexo e depois formava um belo arco-íris do vaso sanitário ao chuveiro.
As primeiras palavras deveriam ser aquelas que surpreenderiam o leitor, arrebatariam-no se sua vida maçante e o jogariam num universo com tal paixão da qual não se poderia desfazer até que a contra capa fosse  suavamente tocada e guiada para sobre a última página, e o livro fosse fechado pela última vez em uma tarde ou manhã quaisquer.
            Enquanto se afogava nas correntezas da língua francesa - porque queria escrever em francês, como se frizasse as pontadas de romance -, Z. caiu sem se reagir e sem se preparar num poço da mais descritível envolvente maestria: a saudade de sua amada seduzia-o como nunca antes a correr até a mesma pela última vez antes que iniciasse sua jornada em papel. Era exatamente o tipo idealizado de coisa que Z. teria passado aos seus leitores logo à primeira vista. Ferido pelo cupido mais duro e poderoso, Z. não se conteve - ele precisava vê-la como um dependente químico precisa de seu objeto de dependência pela última vez antes do resto do dia, ele tinha de qualquer forma que trocar a mesma brisa com sua musa suprema antes de tudo - e pôs sua calça, pegou sua blusa, caminhou ao som entorpecente dos pássaros da manhã munidos dos raios aconchegantes do sol tímido até a porta dela, que não era longe dali, e tocou a campainha como só ele sabia e só ela compreendia.
            Ela demorou menos de um minuto, que foram horas a Z., e por fim abriu vagarosamente a porta e o cumprimentou com o sorrizo que só ele experimentara. Trocaram um beijo longo,e foi assim que Z. deixou de saber o que fazer - não sabia de mais nada -, o beijo simplesmente exigia dele todo seu calor e não havia mais história alguma. De uma hora para outra, Z. perdeu toda a sua capacidade de pensar, porque não fazia nada além de guiar as premissas básicas do cérebro que traduzia os estímulos de seus lábios aquele momento. Não havia nada mais no infinito todo que merecia a sua atenção. Z. não chegou a voltar para casa, ficou ali o dia todo, e de noite saíram para jantar com os amigos, e dormiram juntos, e no dia seguinte, foram visitar o litoral.

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segunda-feira, 25 de julho de 2011

Parte II


X. acha beleza em tudo, em como as pessoas podem acordar bem cedo para limpar uma parte meio esquecida de um armário, ou para varrer a calçada não importa se está ventando. Mas ao mesmo tempo X. tem um certo nojo, um nojo de uma humanidade tão passiva e que se destrói. Não faz sentido, pensa ele.
X. acha que algumas coisas as pessoas deveriam perceber que não têm sentido algum. Porque as pessoas brigam tanto? X. imagina um mundo onde não há brigas. Se tudo não faz sentido algum, porque alimentar alguma delas, uma que causa desconforto e tragédia? X. quer somente que as pessoas liguem para o que é gostoso, mesmo que não exista sentido ou motivo para algo ser gostoso. Será que é gostoso brigar? Porque somente não se para com isso?
Espera sempre algo que venha e o arrebata, algo que o deixe defasado do vazio e da inquietude, um abraço quente, um suco de maracujá, um reflexo curisoso, um cheiro horrível. Mas nenhuma droga. X. não gosta de drogas, tem medo delas por alguma coisa. Fica desesperado se algo o atrapalha de pensar direito, mesmo sabendo que pensar é algo desprovido de razão. Fica com medo de disperdiçar a vida sóbrio, a cor de uma borboleta, o gosto do suco de maracujá.
X. queria viver num filme de cinema, com um diretor e um roteiro, onde não teria que lidar com os humanos — pois o roteiro já estaria pronto — e onde os tiros fossem de mentira e os beijos fossem de verdade. E também se viveria para sempre em algum lugar.


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Parte I


X. sempre acha que nada tem sentido algum. Acredita que vida não possui sentido, o amor não possui sentido, a história não possui sentido, mesmo a matemática é desprovida do sentido. X chega mesmo a duvidar da palavra “sentido”.
Sempre chega alguém feliz e alegre, com alguma novidade, algum projeto, alguma conclusão tão óbvia, um jogo de lógica brilhante, algo que poderia ganhar um prêmio por alguma coisa, mas X. simplesmente nunca consegue se empolgar, aquilo para ele simplesmente não tem sentido algum. A mesma coisa acontece com aqueles che chegam tristes e aborrecidos, X. fica sem saber o que fazer, nada não passará de algo sem sentido.
Algumas pessoas se perguntam e mesmo perguntam a X., de um jeito indireto, como se houvesse um certo receio que elas deveriam deixar claro — receio do que vão ouvir ou talvez se irão ofendê-lo — perguntam como X. consegue viver assim, como pode haver uma vida sem sentido, como as coisas se encaixariam se não houvesse sentido nelas? Como se pode sorrir com algo que não faz sentido?
Mas X. se sente disconfortabilíssimo, porque simplesmente não há resposta, nada tem resposta, nenhuma resposta tem sentido, nem mesmo aquelas perguntas. X. começa a se questionar: porque perguntaram aquilo? Que sentido faz? Com que finalidade e o que elas esperam ouvir? O que eu deveria responder? Mas nada, nada acontece com ele, e finalmente chega-se a conclusão: Ah! Vou parar de pensar nisso, não tem o menor sentido!
Mesmo assim X. às vezes se empolga, quer fazer algo grandioso, quer que as pessoas entendam-no, quer que as pessoas se entendam, quer dar um sentido aquele momento. X. sempre pensa em escrever um belo poema, mas ele nunca consegue um verso. Mas tem certeza de que, se um dia escrever aquele verso, o mundo será abalado.
X. não tem certeza de nada, e a sua verdade é a incerteza, mas isso só antes de X. perceber que não pode existir uma verdade, porque uma verdade tem que fazer sentido.
Isso não o impede nunca de sorrir, de se esbravejar e de fazer coisas que seres normais fazem. Para isso, X. deve se concentrar apenas um pouquinho, deixar que seus instintos animais o levem para uma branda ilusão. Porém, é uma ilusão muito esburacada e frágil, X. é fraco, ele não se sustenta muito se alguém o questiona esperando que ele responda algo que faça sentido.
X. vive uma dura vida, uma vida de poucos momentos de ilusão, e mesmo assim, X. ama todo o tempo. Não que ele consiga explicar o tal sentimento e a tal vontade, não que consiga conversar sobre ela, sobre o amor, não que consiga conversar sobre algo sério, algo que deve ter sentido, que deve contentar alguém de alguma razão, não que consiga conversar. Se X. uma hora argumentou, quis alguma coisa, brigou por alguma coisa ou discutiu alguma coisa, é porque aquilo o incomodava de alguma maneira, machucava, ou causava e causaria algum prazer animal, ou por um momento pequeno ele fingiu que aquilo tudo fazia sentido, só para ser solidário com alguém, por nenhuma razão que faça sentido.
X. queria saber brincar de ser humano direito, desse faz de contas sobre sentimentos e palavras, disso tudo. Acho que em alguns momentos ele iria gostar da brincadeira. Ele queria saber lidar com as pessoas, e com ele mesmo, sem passar vergonha, não que ele ligue para a vergonha. X. nem consegue imaginar como seria um mundo ideal, porque ele se perde. X. não quer morrer, porque é curioso e gosta de um prazer ou de outro. Porque morrer simplesmente não faz sentido.
X. se aquece no sol e aprecia a brisa, com suas entranhas vazias, ocas e inquietas.


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domingo, 3 de julho de 2011

Meu amor plural, que fique assim

Com problemas ou sem problemas,
aqueles que vem e aqueles que ficam e que estão por vir,
que agente espera ou que agente não espera,
ou os que sempre estiveram esperando,
com muitos chapéus talvez,
que tem uma ou duas cachorras
cheios de muitos cachorrinhos,
têm irmãs ou têm irmãos e irmãs,
têm filhos ou filhas
esposas, namoradas ou que procuram muitas
apaixonados...
Mais novos, mais velhos, iguais, ou bem mais velhos
Conversam ou até cantam
com violão, gaita ou violino e teclado
Sempre cheios de histórias, às vezes também querem ouvir.
Idéias que surgem, piadas e experimentos socias.
Com pães ou refrigerantes
ou textos e poesia
Cada jeitinho, no plural,
O amor plural
Para cada um dos meus amigos

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Now that San Francisco's gone/ I guess I'll just pack it in/ Wanna wash away my sins/ In the presence of my friends