quarta-feira, 25 de abril de 2012

Epitáfio De Cabeceira.

Puxa-me o sono desconcertante do fim da minha longa caminhada diária que deveria ter sido produtiva para esse outro eu que me observa exigente, enquanto contemplo frustrado sua careta feia para mim.
Se eu ao menos soubesse bem fazer algo, faria, a se faria, faria correndo, sempre, faria agora e com gosto. Mas faço só porque faço por acaso, o que não sou nem tão bom em fazer, envergonhado de me expôr tendo um olhar que não é treinado. E nem é essa a razão - que ainda não pude compreender -, e só pelo acaso mesmo, que me despeço.

Os interiores se rasgam em silêncio, contorcendo-se
Sem nenhuma promessa de um sonho essa noite
Faz tempo que as palavras chiques se diluíram na negação
Da minha disponibilidade
Devo a mim mesmo essa retórica constante
Tem um mar violeta, gelatinoso.
É belo, e infinito.
É desesperador.
É sempre ele, sempre, desde sempre.
Nada acontece.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Fucking the stars

Entende ironia?

Sarcasmo?

Entende metalinguagem?

Pensa que o non-sense já perdeu a graça?

Mentira, nunca teve, não sabia?

O tempo passa que passa, fica o marasmo

"Carpe diem!"

E é ele mesmo que anuncia


Mas às vezes ele engrena, nos deixa uno por instantes mais densos

E agente se esquece, morre por dentro

Se lembra de quando o tempo passava

Sozinho, eu ficava deitado observando as sombras migrarem

Saudade das musas e do tempo engrenado certo


Entende nostalgia?

É o sol que vai nascendo sem dó todo dia

Dia a dia às vezes eu queria

Que o tempo me engrenasse na harmonia

De pelo menos Uma poesia

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Blues lento e grave

-- Aquela barata, é sua?
-- ... É.
-- E aquele vinho porcaria na geladeira, também é seu, né?
-- É...
-- A coitada, a nojenta, você matou, você matou porque quando você entrou nessa casa você prometeu que mataria todas as baratas que tentassem subir nas coisas limpas da cozinha, né? ... A barata podia fugir de você, se enfiar aí por baixo da geladeira ou numa fresta, ou sair correndo e você nem ver, ela podia fugir de você, ela podia escapar cara, escapar, e você não suportaria isso de ela fugir de você né? Pior, você não suporta perder ela de vista, né?
E o vinho, cara? Porque você não matou a porcaria desse vinho pela metade que está aí a mais de um mês? O vinho fica aí quietinho te enxendo o saco também, né? Mas você não mata ele de jeito nenhum. Poracaso ele não é seu? Porra cara, ele é seu...
A barata, cara, não depende de você, mas o vinho, ah o vinho, era sua responsabilidade cara.
-- ...
-- Você é gente boa.
-- Não entendo...
-- Veja bem... Se você não fosse gente boa, se fosse um normal por aí, eu ia pouco me foder pra você. Olha, não desejo mal pra ninguém, mas se você fosse qualquer um, eu poderia simplesmente te ignorar. Se um cara cai com a cara na bosta por aí, eu num to nem aí, tá ligado? Mas acontece que você é gente boa, e como você é gente boa, agente fica com dó cara. E agora, agora você é minha responsabilidade.

O rapaz morreu instantaneamente.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Minuto contado. De R.

Para R. esse minuto era, acima de tudo, uma indecisão. Indecisão contudo não era uma boa palavra, pois não havia ainda chego a cogitar alguma escolha dúbia, apenas não conseguia se colocar contudo naquele cenário que se apresentava. Podemos dizer que o coitado - e "coitado" seria uma palavra que lhe traria o conforto naquele momento - sentia-se desapropriado de sua identidade, ou melhor, acabara de perceber que sempre foi um cidadão, um jovem, ou quem sabe um rebelde, profundamente inapropriado de uma identidade, sem que a conclusão tirasse a sutileza do concluído.
R. desaprendeu a andar. Não poderia mais andar de alguma forma sem que obtivesse de algum jeito consciência de que tinha pés, e esses pés estavam ligados a músculos, que por tendôes ainda estavam ligados aos ossos e que por fim lhe sustentavam sempre. Tinha que descobrir que aqueles pés, logo abaixo de seu nariz, eram seus, e que tinha sobre eles um poder inadmissível, se comparado às outras relações no mundo.
Tudo o que sabia fazer é o que sempre fez - e por isso devo deixar explícito que nunca sabia ele o que ja tinha feito antes, e se assustava a todo momento com o que estava fazendo, logo que isso se lhe fazia  consciência, por ser uma sensação inteiramente nova - passava horas passando as horas, sentia o vento, daqui e dali, da janela e dos carros, de noite e de dia, via a luz mudar de cor, as irregularidades da rua serem pontudas e entao suaves de novo, todo dia, todo dia a mesma coisa, a mesma coisa de não saber o que estava fazendo ou ainda se aquilo ali podia ser algum tipo de conjugação empírica do ato de viver conforme seria bom.
A história de R. nunca terminou, ou melhor, simplesmente deixou de ser produzida, se transformou, se diluiu, se esqueceu e surgiu de novo como algo que deixou de ser gravado e revelado.
Era bom viver? O que seria de sua vida? O que faria com o amor? O que lhe diriam os outros? Ser-lhe-aim raivosos? Indiferentes? Tão complicados os outros... Não entendia nem a si mesmo, como poderia entender ainda os outros, dos quais parte da existência ele só compartilhava o que não podia ser incompartilhável. Mais ainda, será que realmente queria entender os outros ou será que isso não fazia parte apenas da prática de conhecer-se a si? Mesmo assim ainda uma coisa percebia como que um raio, claro, alto, devastador: era culpado. Não se sabia porque, não se sabia a solução. Tudo o que podia inferir naquele minuto era somente a culpa de ser - ou estar - indeciso.

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Now that San Francisco's gone/ I guess I'll just pack it in/ Wanna wash away my sins/ In the presence of my friends