segunda-feira, 2 de abril de 2012

Minuto contado. De R.

Para R. esse minuto era, acima de tudo, uma indecisão. Indecisão contudo não era uma boa palavra, pois não havia ainda chego a cogitar alguma escolha dúbia, apenas não conseguia se colocar contudo naquele cenário que se apresentava. Podemos dizer que o coitado - e "coitado" seria uma palavra que lhe traria o conforto naquele momento - sentia-se desapropriado de sua identidade, ou melhor, acabara de perceber que sempre foi um cidadão, um jovem, ou quem sabe um rebelde, profundamente inapropriado de uma identidade, sem que a conclusão tirasse a sutileza do concluído.
R. desaprendeu a andar. Não poderia mais andar de alguma forma sem que obtivesse de algum jeito consciência de que tinha pés, e esses pés estavam ligados a músculos, que por tendôes ainda estavam ligados aos ossos e que por fim lhe sustentavam sempre. Tinha que descobrir que aqueles pés, logo abaixo de seu nariz, eram seus, e que tinha sobre eles um poder inadmissível, se comparado às outras relações no mundo.
Tudo o que sabia fazer é o que sempre fez - e por isso devo deixar explícito que nunca sabia ele o que ja tinha feito antes, e se assustava a todo momento com o que estava fazendo, logo que isso se lhe fazia  consciência, por ser uma sensação inteiramente nova - passava horas passando as horas, sentia o vento, daqui e dali, da janela e dos carros, de noite e de dia, via a luz mudar de cor, as irregularidades da rua serem pontudas e entao suaves de novo, todo dia, todo dia a mesma coisa, a mesma coisa de não saber o que estava fazendo ou ainda se aquilo ali podia ser algum tipo de conjugação empírica do ato de viver conforme seria bom.
A história de R. nunca terminou, ou melhor, simplesmente deixou de ser produzida, se transformou, se diluiu, se esqueceu e surgiu de novo como algo que deixou de ser gravado e revelado.
Era bom viver? O que seria de sua vida? O que faria com o amor? O que lhe diriam os outros? Ser-lhe-aim raivosos? Indiferentes? Tão complicados os outros... Não entendia nem a si mesmo, como poderia entender ainda os outros, dos quais parte da existência ele só compartilhava o que não podia ser incompartilhável. Mais ainda, será que realmente queria entender os outros ou será que isso não fazia parte apenas da prática de conhecer-se a si? Mesmo assim ainda uma coisa percebia como que um raio, claro, alto, devastador: era culpado. Não se sabia porque, não se sabia a solução. Tudo o que podia inferir naquele minuto era somente a culpa de ser - ou estar - indeciso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
Now that San Francisco's gone/ I guess I'll just pack it in/ Wanna wash away my sins/ In the presence of my friends